domingo, 3 de março de 2013

A CULTURA DA CONCENTRAÇÃO


A concentração,  ou o uso consistente e persistente da atenção na direção de qualquer coisa que queiramos fazer, é reconhecida há muito tempo como o meio mais eficaz de chegar à completa expressão dos nossos poderes e das nossas energias. Os antigos chamavam de “unidirecionalidade” o poder de focar a  atenção sobre um assunto ou objeto durante o tempo que for necessário, com a exclusão de todos os outros pensamentos e sentimentos. A concentração é difícil de obter entre nós porque, na verdade,  a nota-chave da nossa civilização é mais a distração do que a concentração.
 
São apresentados constantemente às nossas mentes objetos e assuntos que apontam para todas as direções. Uma coisa após a outra chamam a nossa atenção e em seguida nos afastam daquilo em que estamos nos concentrando.  Assim, nossas mentes adquiriram a tendência de saltar de uma coisa para a outra; de voar para uma idéia agradável, ou para uma idéia desagradável; de ficarem passivas.  Permanecer na passividade corresponde normalmente ao sono; excepcionalmente, tende à insanidade.  Que nós tenhamos nos acostumado a estas distrações e não sejamos capazes de dedicar nossas mentes a determinada coisa por determinado tempo é algo que pode ser facilmente comprovado por qualquer um. Se  alguém sentar-se e tentar pensar em uma só coisa  – um  só objeto ou assunto –  por apenas cinco minutos, talvez bastem poucos segundos para que descubra que está a quilômetros de distância da coisa sobre a qual pretendia concentrar sua mente.
 
Temos primeiro que compreender o que o homem é, a sua real natureza, qual a causa  da sua situação atual;  e só depois disso poderemos chegar a qualquer concentração pura e verdadeira; só depois poderemos usar a mente superior e as energias que fluem dela. Porque as energias que usamos no corpo são de fato energias transmitidas,  ou tiradas, da nossa natureza  interior e espiritual, mas tão perturbadas  e limitadas que não são poderosas. Necessitamos conhecer nossas mentes, e necessitamoscontrolar nossas mentes –  isto é, a mente inferior, ocupada com coisas pessoais e físicas, e conhecida na fraseologia teosófica como Manas inferior. Este é o “órgão interno”, o princípio pensante, que os antigos descreviam como o grande produtor de ilusão, o grande responsável pela ausência de concentração. Porque não há possibilidade de obter uma real concentração até que o dono da mente possa colocá-la onde ele quiser, quando ele quiser, e pelo tempo que ele desejar.
 
Está escrito na obra “A Voz do Silêncio”, de H.P. Blavatsky:   “A  Mente é o grande assassino do Real. Que o discípulo mate o Assassino.”    O discípulo, que é o Homem Real – o homem espiritual –  deve atuar como tal. Ele tem que parar as mudanças e oscilações do seu princípio pensante e tornar-se calmo  naquele conhecimento que é trazido pela contemplação da sua  própria natureza real. O objetivo de todo  progresso é a compreensão da verdadeira natureza própria de cada um,  e o uso dos poderes que pertencem a ela. O obstáculo  está no princípio pensante.  NÓS somos os pensadores, mas não somos aquilo que pensamos. Se pensamos de modo errado, então todos os resultados dos nossos pensamentos e ações devem levar-nos a uma conclusão errada, ou a uma conclusão parcial, na melhor das hipóteses ; mas se compreendermos que nós somos o pensador, e o criador – aquele através de quem surgiram todas as condições em que estivemos no passado, as condições em que estamos agora, e em que estaremos no futuro – então alcançamos o ponto de vista do homem Real, e é apenas ao homem Real que pertence o poder da concentração.
 
Para obter concentração, necessitamos compreender a classificação dos princípíos do homem. Todos  temos os mesmos princípios, o mesmo tipo de substâncias e o mesmo espírito dentro de nós.  Todos contemos cada um dos elementos que existem em todo lugar e em qualquer ser. Assim, também, cada um tem todos os poderes que existem em qualquer lugar e em si mesmo, embora latentes. Somos todos  da mesma Fonte, somos partes de um grande Todo, somos todos centelhas e raios do Espírito Infinito ou Princípio Absoluto.
 
O segundo princípio é Buddhi,  a sabedoria adquirida de vidas passadas e também nesta vida. Buddhi é a nata de todas nossas experiências passadas. O próximo princípio é Manas, a Mente Superior, o real poder de pensar, o criador – que não se preocupa com esta fase física da existência, mas com o espírito e a sabedoria adquirida.  Juntos, estes três princípios formam o Homem Real – Atma-Buddhi-Manas  –;  e cada um de nós é estes três, em sua natureza interior.
 
Nosso Manas Inferior é o aspecto transitório da mente Superior; isto é, aquela parcela da nossa atenção, dos nossos pensamentos e sentimentos,  que está dedicada à vida em um  corpo. Mas se a nossa função de pensar se preocupa só com o eu pessoal – apenas com o corpo – os poderes que estão na Tríade, o homem Real, e a sabedoria adquirida no passado,  não podem impôr-se  através desta nuvem de ilusão.Manas Inferior é o princípio do equilíbrio. É o lugar a partir do qual o homem que está em um corpo sobe, em direção a sua natureza superior, ou desce,  em direção à  sua natureza terrestre, feita pelos desejos que pertencem à natureza sensorial. A vida ao nosso redor está o tempo todo lançando sobre nós as suas impressões e suas energias. Estamos constantemente sujeitos a elas,  e ligados a elas, através das nossas idéias, das nossas emoções e dos nossos sentimentos; de modo que há um constante tumulto dentro daquela mente interna, e isto constitui uma barreira à calma e à concentração absolutas.
 
A seguir temos o corpo astral,  em si mesmo um aspecto do real corpo interno que tem durado ao longo de um vasto período de tempo, e que deve continuar até um futuro muito distante. Este corpo astral é o protótipo, ou modelo, em  torno do qual o corpo físico é construído, e que, considerado do ponto de vista dos poderes, é o real corpo  físico. Sem ele, o corpo físico seria apenas uma massa de matéria – um agregado de vidas menores.  É o corpo astral que contém os órgãos, ou melhor, os centros a partir dos quais os órgãos têm evoluído de acordo com as necessidades do pensador interno.  Os verdadeiros sentidos do homem não estão no corpo físico, mas no corpo astral. O corpo astral dura pouco mais que uma encarnação física: ele não morre quando o corpo físico morre, mas é usado como corpo no estágio imediato do pós-morte.
 
A partir do momento em que começamos o esforço para controlar a mente, e desejamos saber e assumir a posição do homem interno, o esforço e a atitude produzem um aumento de energia e firmeza. Fizemos com que algo começasse a acontecer no corpo astral. O que antes eram meros centros de força em torno dos quais os órgãos eram construídos, agora tendem a se tornar orgãos astrais independentes.  Ocorre dentro de nós uma gradual construção destes órgãos,  até que, quando se completa o esforço, temos um corpo astral com todos os órgãos do corpo físico sintetizados, e estamos além das vicissitudes da existência física; temos o poder que é a ação do corpo astral. O corpo astral é ainda mais completo e eficiente, em seu próprio plano, que o nosso instrumento corporal aqui no plano físico, porque ele tem um alcance mais amplo de ação em seus sete super-sentidos, enquanto que fisicamente só usamos cinco sentidos.
 
Muitos obstáculos aparecem, no entanto, assim que começa o esforço.  Velhos hábitos de pensamento e de sentimento nos pressionam em todos os sentidos, porque ainda não somos capazes de controlar as nossas respostas a eles, e assim nos vemos  sujeitos a certos sentimentos e emoções que  tendem a destruir o corpo astral que está sendo construído.   O primeiro fator, e o mais forte, é a raiva. A raiva tem um efeito explosivo,  e por mais que possamos ter progredido em nosso crescimento, o  choque interior incontrolável que vem da raiva irá reduzir a pedaços aquele corpo astral em construção, de modo que todo o trabalho tem de ser feito outra vez.  O próximo fator a combater é a vaidade –;  vaidade deste ou daquele tipo, por causa de alguma meta alcançada, ou em relação a nós mesmos, nossa família, nosso país e assim por diante.  A vaidade tende a crescer cada vez mais, até que finalmente já não escutamos ninguém, e somos tão superficiais que não podemos mais  aprender coisa alguma. Assim, a vaidade tende a desintegrar este corpo interno, embora ela seja menos destrutiva que a raiva.  A inveja é outro obstáculo. O medo também, mas o medo é o menor deles porque ele é sempre resultado da ignorância. Temos medo das coisas que não conhecemos; mas quando as conhecemos, não temos medo.
 
Todos temos medos que tendem destruir o instrumento através do qual a verdadeira concentração pode ser alcançada;  mesmo assim, é possível alcançá-la. O poder e a natureza específicos da concentração estão no fato de que, quando ela é completa, podemos colocar a atenção em qualquer assunto ou objeto, com a exclusão de todos os outros, durante qualquer período de tempo; e este princípio pensante – essa nossa mente que tem estado oscilando para lá e para cá – pode ser utilizada para adaptar-se ao objeto observado, à natureza do objeto em que se pensa.   Enquanto a mente toma a forma do objeto, nós percebemos através daquela forma as características que fluem através dela; e, quando nossa investigação está completa, somos capazes  de saber tudo o que pode ser conhecido daquele assunto ou objeto.
 
É fácil ver que um tal nível de concentração não pode ser alcançado através de esforços intermitentes.  São necessários esforços feitos a partir de “uma posição assumida com firmeza”, em relação ao objetivo buscado.  Todos os esforços feitos sobre esta base estão destinados a ser úteis; cada esforço feito desde o ponto de vista do homem espiritual conta positivamente, porque torna o corpo subserviente ao princípio pensante.
 
Há outras coisas que surgem a partir deste verdadeiro poder de concentração. Começamos a abrir os canais que vão do nosso cérebro ao corpo astral, e do corpo astral até o ser interior. Assim, aquilo que é temporário tende a se tornar parte daquilo que é eterno.  Todos os planos se tornam sintetizados de cima para baixo, e todas as vestimentas da alma, que nós produzimos ao longo do tempo, ficam em harmonia umas com as outras. É como ocorre com os mecanismos de uma fechadura: quando eles trabalham juntos, a fechadura funciona adequadamente. Assim, também, nós temos que colocar todas as camadas da alma em perfeita concordância entre si,  e isso nós só podemos fazer adotando a posição de um ser espiritual, e atuando como tal.
 
O nível em que a concentração ocorre é possível para nós, mas não seria possível sobre uma base egoísta. A concentração da mente cerebral  é tão pequena – se comparada com a verdadeira concentração –  quanto a luz de uma vela  diante da luz do sol.  A verdadeira concentração é, em primeiro lugar, uma posição assumida a partir da meta da união com o Eu Superior.  Esta é a mais altaIoga. A concentração sobre o Eu Superior é a verdadeira concentração.  E a concentração deve ser alcançada antes que nós possamos  atingir aquele estágio em que o conhecimento eterno em todos os seus aspectos é nosso até o último grau; antes que possamos uma vez mais recuperar e dominar aqueles poderes que são uma herança de todos.
 

 
Título original do texto: “Culture of Concentration”.   Traduzido da obra “The Friendly Philosopher”,  de Robert Crosbie, Theosophy Company, Los Angeles, 1945, 416 pp., ver pp. 290-294.   Robert Crosbie fundou a L.U.T. em Los Angeles em fevereiro de 1909.

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