Na Cabala e em outras tradições espirituais, a meta do místico de encarnar as virtudes de Deus é por vezes denominada “esquecer o eu”. Esquecer o eu significa esquecer o eu inferior, o eu humano. Significa esvaziarmo-nos para abrir espaço para Deus.
Esquecer o eu é a suprema expressão de humildade. O membro da escola hassídica do século XVIII, Hasid Issachar Ber de Zlotshov, diz que a humildade é a meta de todas as práticas espirituais:
“A essência da adoração a Deus e a todos os mitzvot [mandamentos] é alcançar o estado de humildade, nomeadamente... compreender que todos os nossos poderes físicos e mentais e o nosso ser essencial são dependentes dos elementos divinos do interior. A pessoa é apenas um canal para os atributos divinos. Consegue-se alcançar essa humildade pela admiração da imensidão de Deus pelo entendimento de que “não existe lugar onde Ele não esteja”.
O líder hassídico Bov Baer ensinou o seguinte: “Pensai em vós como ayin [nada] e esquecei-vos de vós totalmente... Se pensardes em vós como alguma coisa, então Deus não vos pode revestir, pois Deus é infinito. Nenhum receptáculo pode conter Deus, a menos que penseis em vós como ayin.
Outro escritor hassídico usa uma linguagem semelhante para descrever o professor inspirado:
Aquele que prega em prol do céu deve considerar que o intelecto e o sermão não são seus; em outras palavras, ele está tão morto como um cadáver pisoteado, e tudo vem de Deus, abençoado seja o Seu nome... Deus está colocando na sua mente as palavras e a mensagem moral que ele está transmitindo à congregação; de modo que cada palavra deveria ser como um fogo ardente, e ele deveria sentir-se compelido a proferi-las todas. De outro modo, ele é como um profeta que suprime a sua profecia.
Aquele que prega em prol do céu deve considerar que o intelecto e o sermão não são seus; em outras palavras, ele está tão morto como um cadáver pisoteado, e tudo vem de Deus, abençoado seja o Seu nome... Deus está colocando na sua mente as palavras e a mensagem moral que ele está transmitindo à congregação; de modo que cada palavra deveria ser como um fogo ardente, e ele deveria sentir-se compelido a proferi-las todas. De outro modo, ele é como um profeta que suprime a sua profecia.
O mesmo princípio de ser um canal para o divino aplica-se aos que oram. Daniel Matt diz que os hassídicos ensinam que “o único papel ativo do místico é a decisão de orar e o esforço de manter a clareza essencial para transmitir energia divina”. O místico permite-se ser o instrumento e Deus faz o resto. Numa obra hassídica, podemos ler o seguinte:
Aquele que merece este nível [de ser um instrumento para a transmissão da energia divina] nada mais é que um instrumento por intermédio de quem estão sendo conduzidas palavras do alto. Esta pessoa apenas abre a boca... A condição essencial para a oração é estar limpo de toda impureza, para que a voz do alto não seja corporificada na sua voz. Todos podem merecer este nível... Sua voz é, por assim dizer, a voz da Shekhinah; eles são apenas instrumentos.
“Num tal estado” explica Matt, “o assunto e o objeto da oração são o mesmo. Adora-se Deus com Deus. Deus torna-se como um sumo sacerdote, servindo a Si mesmo por meio da oração humana” Dov Baer explica tudo quando diz: “Seja o que for que façamos, é Deus que o está fazendo”.
Outros místicos das religiões mundiais falam sobre esquecer o eu. Os taoístas, por exemplo, usam a frase “esquecer o eu” ou “perder o eu” para descrever o processo de perder o sentido do eu que está separado do Tao, da Realidade Suprema. Eles dizem que “perder o eu” não significa eliminar a nossa identidade; mas impedir que o eu inferior se interponha ao Tao.
O poeta sufi Rumi descreve o processo de esquecer o eu como o abandono do eu inferior. O autodespojamento, diz ele, é um requisito para a ascensão mística a Deus:
Até ser aniquilada, nenhuma alma
É admitida na sala divina da audiência.
O que é a ‘ascensão’ ao céu?
A aniquilação do eu;
O abandono do eu é o credo e a religião dos amantes.
Jesus também passou pelo mesmo processo de esquecer o eu e tornar-se um cálice para Deus, ao dizer:
O que é a ‘ascensão’ ao céu?
A aniquilação do eu;
O abandono do eu é o credo e a religião dos amantes.
Jesus também passou pelo mesmo processo de esquecer o eu e tornar-se um cálice para Deus, ao dizer:
“Meu pai trabalha até agora, e eu trabalho também...
...o Filho, por si mesmo, não pode fazer coisa alguma, se não vier o Pai fazê-lo...
Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma... porque não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai que me enviou.
Não crês tu que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo, não as digo de mim mesmo, mas o Pai que está em mim é quem faz as obras.”
...o Filho, por si mesmo, não pode fazer coisa alguma, se não vier o Pai fazê-lo...
Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma... porque não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai que me enviou.
Não crês tu que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo, não as digo de mim mesmo, mas o Pai que está em mim é quem faz as obras.”
Jesus ensinou à santa do século XIV, Catarina de Sena, que o segredo de desenvolver um relacionamento íntimo e místico com Deus era, mais uma vez, esquecer o eu __ tornar-se, como Dov Baer diz, “nada”. Um dia Jesus apareceu a Catarina enquanto ela rezava e disse:
Sabes filha, quem tu és e quem eu sou? Se soubesses estas duas coisas, serias abençoada. Tu és aquilo que não é; Eu sou Aquele que é. Se tiveres este conhecimento na tua alma, o inimigo nunca poderá enganar-te; escaparás de todas as suas armadilhas; nunca consentirás em nada que seja contrário aos meus mandamentos e, sem dificuldade, adquirirás todas as graças, todas as verdades, toda a luz.”
“Com essa lição Catarina tornou-se fundamentalmente erudita”, escreve o seu biógrafo Igino Giordani. “Tinha a sua fundação sobre uma rocha; já não havia mais sombras. Eu, nada; Deus, Tudo. Eu, o não ser; Deus, o Ser.”
Esquecer o nosso eu através da humildade suprema é a essência da senda do místico. É o que permitiu inspirar os antigos profetas com tremendo poder ao transmitirem as mensagens de Deus no “Espírito do SENHOR”. É o que conferiu poder a Catarina de Sena para mudar o curso da Igreja, e a líderes como Gandhi para mudar o curso da história. E é aquilo que nos pode dar poder para mudar o mundo.
Ralph Waldo Emerson, a quem o autor Thomas Moore devidamente classifica como “uma das grandes almas mestras da nossa história americana”, descreve esta concessão de poder em termos do ilimitado poder de Deus que literalmente passa por nós. O espírito do misticismo e da Cabala permeia esta passagem do seu ensaio Natureza:
[O espírito] não atua sobre nós a partir do exterior... mas, espiritualmente ou através de nós mesmos; portanto, esse espírito, ou seja, o Ser Supremo, não acumula natureza à nossa volta, mas fá-la surgir através de nós, tal como a vida da árvore gera novos ramos e folhas através dos antigos. Tal como uma planta na terra, também o homem repousa no seio de Deus; ele é alimentado por fontes infalíveis e recebe poder inesgotável de acordo com a sua necessidade.
Quem pode estabelecer limites às possibilidades do homem?... O homem tem acesso a toda a mente do Criador, e é ele mesmo o criador do finito.
Em termos cabalísticos, Emerson está dizendo que somos nutridos pela luz de Ein Sof que flui através das infalíveis fontes das sefirot. E podemos realmente retirar delas um poder inesgotável quando “esquecemos” a nós mesmos, quando nos esvaziamos e deixamos entrar Deus.
O processo de esquecer o eu __ de esvaziamento para ser preenchido com os atributos e energia de Deus __ processa-se passo a passo, dia a dia. Num certo ponto, descobrimos que Deus é tanto uma parte de nós que é ele quem está pensando, sentindo, falando, trabalhando, amando, cuidando e confortando através de nós. É nesse momento que a senda do místico atinge a sua expressão mais elevada e mais prática, pois quando somos um só com Deus trazemos verdadeiramente o céu à Terra.
Fonte: Texto extraído do livro “Cabala – O Caminho da Sabedoria de Elizabeth C.Prophet
Fonte: Texto extraído do livro “Cabala – O Caminho da Sabedoria de Elizabeth C.Prophet
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