domingo, 27 de abril de 2014

A REENCARNAÇÃO NOS PRIMÓRDIOS DO CRISTIANISMO

Toda alma vem para este mundo
Fortalecida pelas vitórias ou enfraquecida pelas
Derrotas de suas vidas passadas.
Orígenes de Alexandria, Patriarca da Igreja



É possível ser cristão e acreditar na reencarnação? Hoje, a maioria das religiões responderia “não” a esta pergunta. Mas isso não ocorria no século II.

O cristianismo antigo era extremamente diferente. Durante os três primeiros séculos dessa nova religião, a comunidade cristã era composta de numerosas seitas, incluindo muitos grupos hoje coletivamente conhecidos como gnósticos. Os gnósticos afirmam possuir uma doutrina avançada que lhes foi passada secretamente por Jesus por meio de seus discípulos mais próximos. Mesmo entre os gnósticos havia diferenças de crenças e práticas. Alguns eram absolutamente ascéticos; outros foram acusados de serem moralmente licenciosos. Alguns eram celibatários, outros, não. Entretanto,  compartilhavam algumas crenças.

Acreditavam que os meios para a salvação não se resumiam simplesmente à fé, como clamava o contingente ortodoxo emergente, mas à gnósis – palavra grega que significa “conhecimento” ou “familiaridade”. Os gnósticos enfatizavam o conhecimento e a experiência pessoal do Divino. Acreditavam que a busca do autoconhecimento levaria à reintegração com o Eu Divino, a essência da nossa Identidade. Para eles, carma e reencarnação criavam o contexto para essa união mística.

No texto gnóstico conhecido como Evangelho de Tomé, escrito provavelmente no final do século II, Jesus ensina que após a morte alguns permanecerão absorvidos “nos seus interesses da vida” e “serão trazidos de volta aos reinos visíveis”. Ao final dessa obra Jesus diz: “Vigiai e orai para que não necessiteis nascer na carne, mas para que possais deixar o amargo cativeiro desta vida”. Em outras palavras, ore para não renascer na Terra, mas para retornar aos reinos mais elevados.

Em outro texto gnóstico, Pistis Sophia , escrito provavelmente no século III, Jesus descreve várias consequências cármicas das atitudes tomadas em vidas anteriores. Ele diz que uma pessoa será “mandada de volta ao mundo, conforme o tipo de pecados que houver cometido”. Uma pessoa que blasfema, por exemplo, terá o coração continuamente em sofrimento. A alma do “arrogante e presunçoso” será lançada “em um corpo imperfeito e deformado para que todos o menosprezem persistentemente”. Uma pessoa que não pecou, mas que ainda não recebeu os mistérios do mundo espiritual, será colocada em um corpo que a tornará capaz de “encontrar os sinais dos mistérios da luz e herdar o reino da luz, para sempre”.

Alguns gnósticos, nos séculos II e III muitos cristãos proeminentes aceitavam a reencarnação. Diz-se de Clemente de Alexandria, um professor cristão que dirigiu a escola de catequese da Igreja de Alexandria, foi um deles. Seu sucessor, Orígenes de Alexandria, patriarca da Igreja e o mais influente teólogo da Igreja católica, acreditava na preexistência da alma, ou até mesmo na reencanação.

Em On First Principles, Orígenes explica que às almas são designados “locais, regiões ou condições”, com base em suas ações “antes da vida atual”. Deus “organizou o universo sob o princípio da mais imparcial retribuição”, ele nos conta. Deus não criou “com qualquer favoritismo” mas deu às almas corpos “de acordo com o pecado de cada um”.

Orígenes pergunta: “Se as almas não preexistem, por que encontramos cegos de nascença que não cometeram pecado enquanto outros nascem sem nada de errado? Ele próprio responde a pergunta: “Está claro que certos pecados existiram ou seja, foram cometidos antes de as almas se unirem aos corpos e, como resultado desses pecados, a cada alma foi dada uma punição proporcional à sua falha. Em outras palavras, o destino das pessoas baseia-se em ações passadas.

A crença de Orígenes na preexistência da alma sugere a reencarnação. Por isso seus seguidores e seus ensinamentos foram atacados no controvertido fogo cruzado do cânon eclesiástico. Três séculos após a morte de Orígenes, o imperador bizantino Justiniano proclamou-o herético. Instigado pelo imperador, o Conselho da Igreja lançou um anátema (maldição) contra o ensinamento de Orígenes sobre a preexistência da alma. Os monges seguidores de Orígenes foram expulsos e os textos escritos por ele, destruídos.

Uma vez que não existem registros documentando a aprovação papal dos anátemas, estudiosos questionam, hoje, sua legitimidade. Mas a ação do Conselho, aceita pela Igreja na prática, tornou a reencarnação incompatível com o cristianismo. Entre os séculos III e VI, as autoridades da Igreja e do Estado gradualmente rejeitaram os cristãos que acreditavam na reencarnação, banindo e, finalmente, destruindo seus manuscritos.

De tempos em tempos, a crença na reencarnação ressurge de forma persistente. No século VII, com os paulicianos, e no século X, com os bogomilianos, ela chegou às áreas onde hoje estão a Bósnia e a Bulgária. A crença na reencarnação apareceu na França e na Itália medievais, onde foi criado o núcleo da seita cátara.

A temível Inquisição foi estabelecida originalmente no século III para combater os cátaros, também conhecidos como albigenses. No final, a Igreja ganhou a batalha ao deflagrar uma cruzada seguida de uma campanha brutal da inquisição, tortura e queima de pessoas em fogueiras.

Naquele ponto, a crença na reencarnação buscou a clandestinidade. Durante o século XIX, foi mantida viva nas tradições secretas dos alquimistas, rosa-cruzes, cabalistas, herméticos e maçons. A reencarnação continuou fazendo adeptos na Igreja. Na Polônia do século XIX, por exemplo, um arcebispo católico, Monsenhor Passavalli (1820 – 1897), inseriu a reencarnação em sua fé e adotou-a abertamente.  Ele influenciou outros padres poloneses e italianos que também adotaram a reencarnação.


Texto extraído do livro: Carma e Reencarnação de Elizabeth Clare Prophet

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