domingo, 20 de janeiro de 2013

AS VERDADES ETERNAS


Tenhamos consciência das verdades eternas.
O mundo, o indivíduo e tudo o que nos circunda ficam cobertos pelo manto da escuridão quando as verdades eternas não se manifestam em nossa consciência.
Quando estamos perdidos em um mundo de trevas e dúvida – de desconfiança nos planos do Infinito – quando somos confundidos pelo caos nas encruzilhadas da vida, quando temos incerteza quanto ao caminho que deveríamos seguir – significa que as trevas cruzaram o nosso caminho.
Ela vem do domínio humano, do casulo da ignorância mortal. Ela vem da falta de conhecimento do que a vida é realmente.
Qual é, então, a realidade da vida?
O SENSO DA INDIVIDUALIDADE
Esta obscuridade não vem de Deus, nem deriva da sua bondade. A vida não é escuridão. A vida não é caos ou confusão. A vida não é uma incerteza. A vida é magnífica – mesmo biologicamente.
A estrutura do corpo é bela: nossa carne e nossos ossos têm formas intrincadas e maravilhosas!  E o cérebro – em si um cálice dos impulsos da Mente eterna – é uma magnífica central de ligações e um depósito de infinita Verdade.
Pare e pense, então, não só na carne e no sangue mas,  na consciência que reside no cálice da identidade e dá identidade ao cálice!
Temos consciência de um poder exterior a nós que identifica-se com o poder interior. Este poder define o certo e o errado quando todos os códigos morais mostram-se insuficientes. Este poder deriva do Eu Verdadeiro. E  esse é o princípio do senso de individualidade.
Existe um inato senso de justiça em nosso interior, superior em todos os seus direitos e ramificações a todos os códigos de justiça elaborados pelo homem ao longo dos anos – que algumas vezes foram criados com grande sabedoria e outras com a complexidade do conhecimento das palavras, como uma mera assimilação de fatos e cifras colocados juntos sem rima ou razão. Uma vez que essas codificações da lei foram aceitas pela humanidade, possuem o direito de precedência, quer sirvam ou não à justiça.
E essas não são, necessariamente, as verdades eternas.
Hoje, a raça humana como um todo necessita apoiar-se não no braço de carne, não na classificação do mero conhecimento humano, mas nos tesouros espirituais dessa sabedoria que se encontra dentro do coração.
Tais tesouros da gnose de Deus estão realmente dentro do coração e podem ser usados para iluminar a mente, ao projetar a luz da Verdade sobre a sua tela mudando completamente o nosso ponto de vista.
E estas são necessariamente as verdades eternas.

Texto extraído do livro: Os ensinamentos ocultos de Jesus Vol.II de Mark e Elizabeth C.Prophet

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A Arte de Não Condenar os Outros


Pergunta:
 
É verdade que não temos o direito a condenar as pessoas, e que deveríamos condenar apenas a sua conduta?
 
W. Q. J. :
 
Não consigo ver por que razão,  para  treinar o sentido moral, alguém teria que praticar a condenação dos outros. A necessidade de condenação nunca deixará de existir,  se nos dedicarmos a praticá-la,   enquanto esperamos que o mundo fique tão bom que já não haja mais ninguém para condenar. Tenho a impressão de que seria uma  doutrina não-teosófica  afirmar que o nosso senso moral deve, ou pode, ser adequadamente cultivado através da prática da condenação dos outros.
 
O pensamento citado na pergunta nunca foi visto por seu autor ou autores como algo a ser aplicado às questões de Estado.  Ele se dirige apenas a discípulos que se esforçam por seguir as mais altas regras de conduta. Nós temos tamanha inclinação a condenar os outros e a ignorar as nossas próprias falhas que se recomenda aos  discípulos sinceros, como uma disciplina, cultivar o seu sentido moral observando seus próprios erros, e deixar que os outros façam o mesmo por si mesmos; mas quando a ocasião exige uma condenação, é a ação errada que deve ser condenada.  Isto não se aplica a um juiz, ou a qualquer outra autoridade responsável, ou professor ou guia.  A idéia se  refere apenas  a aqueles que, pensando que o nosso tempo de vida é tão breve que não há tempo para que nos ocupemos com os erros dos outros, preferem aproveitar a sua oportunidade purificando a si mesmos, limpando a sua própria casa, tirando a viga do seu próprio olho. Porque todos os sábios e praticantes de Ocultismo[1] declaram que entre os fatos que se deve necessariamente conhecer está a realidade de que, cada vez que um homem cai na condenação de outro, ele é impedido por tal ação de ver seus próprios defeitos, e mais cedo ou mais  tarde seus defeitos aumentarão.  Quando um estudante sincero considera que essa afirmativa é correta, ele pensa duas vezes antes de condenar os outros e se dedica ao auto-exame  e ao auto-controle. Isso tomará todo o seu tempo. Nós não nascemos para ser  reformadores universais de todos os erros e abusos das outras pessoas, e os teosofistas não podem desperdiçar suas energias criticando outros.  Além disso, tenho sérias dúvidas sobre se  alguém já foi melhorado alguma vez devido às críticas feitas pelos seus conhecidos.  É a disciplina natural, e só ela, que faz o progresso. Na verdade, tenho observado ao longo de muito tempo que em 99 por cento dos casos, quando alguém  critica constantemente os outros,  os únicos resultados são uma maldosa satisfação consigo mesmo,  por parte do crítico, e raiva ou desprezo por parte da vítima das condenação.   Um exemplo será suficiente, como ilustração,  e é o seguinte: certa noite eu estava saindo de um trem com um amigo que  raramente perde uma oportunidade de assinalar ações erradas ou omissões equivocadas dos outros. Quando ele desembarcava,  um homem mal-vestido bloqueou sua passagem, aparentemente tentando embarcar.  Meu amigo, que era fisicamente forte,  pegou o homem pelos ombros, tirou-o da sua frente e disse: “A regra é que os passageiros devem desembarcar primeiro”. 
 
Resultado: enquanto ele saía dali com a sensação de que havia adequadamente corrigido um erro, o homem o amaldiçoou em voz alta, e pôde ser ouvido ao solicitar  uma oportunidade para usar de violência contra ele. Assim, para um deles –  talvez um homem nascido na adversidade –  o único resultado foi raiva e sentimentos destrutivos;  para  o crítico,  o resultado foi um tipo de auto-satisfação que é amplamente conhecido por ser inseparável da ilusão.
 
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[Traduzido do livro  “‘Forum’ Answers”, de William Q. Judge, The Theosophy Co., Los Angeles, EUA, 1982, 142 pp, ver pp. 26-27.]

Jesus Cristo, o Guerreiro da Verdade


Ao longo da história humana, tem havido religiões perseguidas, e tem havido religiões perseguidoras. A evolução da religião cristã ilustra bem esse fato.
Depois de sofrer perseguição durante algum tempo, em determinado momento o cristianismo é adotado e adaptado pelos poderosos  e passa a ser uma religião de Estado, uma religião imperial baseada em Roma. 
Foi a partir de então que generalizou-se gradualmente a aceitação de uma imagem de Jesus Cristo como o mestre da obediência, da resignação, da passividade e da submissão.
Quando lemos os Evangelhos do Novo Testamento,  no entanto, a idéia de um Jesus submisso e obediente cai por terra. Há ali evidências numerosas no sentido de que Jesus foi, na verdade, um guerreiro da luz. Ele desafiou as estruturas religiosas e sociais do seu tempo.  Ele não criou nem mandou criar uma igreja centralizadora ou autoritária.  Não adaptou-se às rotinas da sua época. Questionou-as todas.
A filosofia esotérica parte da premissa de que existe uma mesma sabedoria universal presente sob diferentes roupagens nas várias tradições religiosas e filosóficas da nossa humanidade.  Por isso ela promove o estudo comparado de religiões.  Para a filosofia esotérica, a figura de Jesus é mais do que um mestre que viveu um dia. A idéia de Jesus  simboliza sobretudo a energia crística ou búdica que está presente e pode ser encontrada dentro de cada ser humano. 
A palavra sânscrita “Buddh”  significa luz espiritual, e “Buddha” ou “Buda” não é o sobrenome de Gautama, mas significa apenas “Iluminado”.  Assim, a luz crística é a luz búdica. Jesus é a voz da alma imortal, a  voz da nossa consciência. A força do espírito não se apega à rotina automática dos velhos apegos. Ao contrário, a voz da alma questiona as rotinas e as ameaça e por isso é perseguida, suprimida  – e substituída pela obediência cega.  
De um lado é verdade que o nascimento da sabedoria crística ou búdica na alma humana traz paz interior. De outro lado, esse surgimento provoca externamente contraste, conflito, combate e luta.  Daí a necessidade de sermos guerreiros. Esse duro contraste corresponde ao que as grandes religiões chamam de “testes” e “provações”.  Vejamos alguns trechos dos Evangelhos cristãos que servem  como evidências disso.
Logo no início do evangelho de Lucas, ao profetizar sobre a futura missão de Jesus, Simeão anuncia: 
“Eis que esse menino foi colocado para a queda e para o soerguimento de muitos em Israel, e como um sinal de contradição ...” (Lucas, 2:33-35). 
Sim, um sinal de contradição.  Jesus é alguém que colocará as pessoas diante de escolhas difíceis.
Anos mais tarde, já maduro e armado com a espada sutil da verdade e do discernimento, o mestre Jesus aparece como um guerreiro.  Em Mateus, 10: 34-39, ele alerta:
“Não pensem que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria casa. Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha  mais do que a mim não é digno de mim; e quem não toma a sua cruz e vem após mim não é digno de  mim.  Quem acha a sua vida a perderá; quem, todavia, perde a vida por minha causa a achará.”
Esta passagem tem uma forte correlação com algumas frases do livro do Êxodo, no velho testamento.  Em Êxodo, 32:27-29, Moisés diz a seus seguidores, em nome de Jeová:
“Cinja cada um a espada sobre o lado, e passe e torne a passar pelo acampamento de porta em porta, e mate, cada qual,  a seu irmão, a seu amigo, a seu parente”. O absurdo, do ponto de vista espiritual, é evidente. Uma leitura literal desta passagem não faz  sentido, até porque um dos mandamentos de Moisés era “Não matarás”.
Na verdade, tanto na passagem de Jesus como na de Moisés, temos aqui a dura lição da impessoalidade. É preciso olhar com desapego para nossos vínculos pessoais mais íntimos.  É aí que se dá um combate em que a espada da verdade é indispensável, um  combate contra a falsa paz da rotina e da acomodação.  Não se trata de entrar em conflito com as pessoas mais próximas a nós, e muito menos matá-las. Trata-se,  isso sim, de combater e matar nosso próprio apego ou  rejeição a elas.  
Jesus não promete conforto. Ele anuncia uma vida dura e incômoda para  quem quiser “tomar a sua cruz” – isto é, assumir seu próprio karma – e seguir o caminho da sabedoria e da alma imortal que ele, como Mestre, simboliza e sinaliza. 
Em  Mateus, 10:22 e 10:23,  ele alerta:
“E vocês serão odiados por todos por causa do meu nome. (...) Quando perseguirem vocês em uma cidade, fujam para outra. E se perseguirem vocês nesta, tornem a fugir para uma terceira.”
A necessidade de transcender os apegos e rotinas pessoais aparece novamente em Mateus, 12: 46-50:
“Falava ainda Jesus ao povo, e eis que sua mãe e seus irmãos estavam do lado de fora, procurando falar-lhe. E alguém lhe disse: ‘Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e querem falar-te.’ Porém ele respondeu ao que lhe trouxera o aviso: ‘Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?’ E, estendendo a mão para os discípulos, disse: ‘Eis minha mãe e meus irmãos. Porque qualquer que fizer a vontade do meu Pai celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe.’ ”
O que é,  precisamente, “pai celestial”? Para a filosofia esotérica, “pai celestial” é “Atma”, a divindade no interior da consciência de cada um. Não é uma autoridade externa. Jesus não construiu igreja  centralizada. Ele não acreditava em autoridades externas à consciência humana. 
A pedagogia espiritual da filosofia esotérica vê dois aspectos essenciais no modo como o mestre Jesus ensina.  Um é a autonomia do aprendiz, respeitada pela ausência de uma estrutura asfixiante de poder centralizado. Outro aspecto é a franqueza e a autenticidade do mestre. 
Há, ainda hoje, uma certa religiosidade espiritualista de classe média segundo a qual Jesus Cristo é alguém incapaz de uma atitude áspera. De acordo com essa visão, não só Jesus, mas qualquer pessoa espiritualizada jamais pode ou deve colocar limites a quem age erradamente. E quando alguém o faz é imediatamente catalogado como “não-espiritual”, “pouco evoluído”, “insensível, “endurecido”, etc.
Não é isso, porém,  que vemos em Marcos, 11:15-19. 
O fenômeno da purificação do templo mostra um combate aberto entre a sinceridade e a hipocrisia. Diz o  evangelista: 
“E foram para Jerusalém. Entrando ele no templo, passou a expulsar os que ali vendiam e compravam; derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. Não permitia que alguém conduzisse qualquer utensílio pelo templo; também lhes ensinava e  dizia: ‘Não está escrito que a minha casa será chamada de casa de oração para todas as nações? Vocês, porém, a transformaram  em covil de salteadores’.  E os principais  sacerdotes e escribas ouviam estas coisas e procuravam um modo de lhe tirar a vida, porque toda a multidão se maravilhava da sua doutrina. Ao chegar a tarde, saíram da cidade.”
É interessante observar que Jesus não usa meias palavras. Ele diz que o templo foi transformado em nada menos que um “covil de salteadores”. Assim, os mais notáveis sacerdotes passam a tramar sua morte. A conclusão, para nós – aprendizes da sabedoria antiga – é que o caminho espiritual é perigoso. Esse caminho estreito e difícil requer coragem, desapego  e determinação.
Por isso a metáfora do caminhante espiritual como um guerreiro faz todo sentido do ponto de vista da filosofia esotérica.
A dimensão guerreira de Jesus aparece com destaque em  Mateus 23. Ali, ao longo de todo o capítulo, ele desafia abertamente os dogmas doutrinários dominantes em qualquer ocasião, e alerta contra a hipocrisia religiosa presente nas mais diferentes épocas. Vejamos um pequeno trecho desse sermão fundamental:  
“... Guias cegos, que coam o mosquito e engolem o camelo! Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas, porque vocês limpam o exterior  do copo e do prato, mas estes, por dentro, estão cheios de rapina e intemperança!  Fariseu cego,  limpa primeiro o interior do copo, para que também o seu exterior fique limpo!” (Mt 23: 24-26)
E ainda:
“Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas, porque vocês são semelhantes aos sepulcros caiados, que,  por fora, se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundície!  Assim também vocês exteriormente parecem parecem justos aos homens,  mas, por dentro, estão cheios de hipocrisia e iniquidade.”  (Mt 23:27-28) 
Sem qualquer preeocupação diplomática ou apego por palavras exteriormente amáveis, o severo Mestre Jesus chama os  hipócritas de “serpentes” e “raça de víboras” (Mt 23: 33). Antes, ele já os havia qualificado de “insensatos e cegos” (Mt 23: 17).  A sinceridade, em Cristo, vale mais que a cortesia obrigatória e meramente diplomática. Ele sabia que a cortesia aparente, quando obrigatória,  passa a ser uma casca externa que leva com frequência à falsidade e à ilusão. 
A encenação teatral da amabilidade e a necessidade de satisfazer as expectativas alheias a qualquer custo  também provoca uma incapacidade de tomar decisões.
Por falta de convicção própria,  muita gente empurra a vida com a barriga, posterga e evita a escolha de um rumo próprio.  Essas pessoas avançam ou recuam de acordo com a maré, como  barcos sem leme, ou como  barcos em que não há ninguém ao leme. 
Sobre a necessidade de fazer opções claras, Jesus afirma:
“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Vocês não podem servir a Deus e às riquezas.” (Mt 6: 24)
O Apocalipse  também condena fortemente a indecisão, porque ela impede o avanço ao longo do caminho. A consciência divina dirige essas palavras ao anjo de uma determinada igreja:
“Conheço as tuas obras, que nem  és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente! Assim,  porque és morno e nem és quente nem frio,  estou a ponto de vomitar-te da minha boca.” (Ap. 3:16)
Em seguida o  autor do Apocalipse justifica sua linguagem dura. Ele nos dá um exemplo vivo da antiga e sábia tradição segundo a qual um verdadeiro mestre – ou um verdadeiro irmão – não fica preso a palavras externamente amáveis, mas, ao contrário,  atua com rigor e sinceridade:
“Eu repreendo e disciplino a quantos amo. Sê, pois, zeloso e arrepende-te. Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir  a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo. ” (Ap 3: 19)  
“Casa”, aqui, simboliza “alma”, consciência. A voz do espírito bate à porta da consciência do aprendiz.
O mesmo rigor sem meias palavras entre companheiros do caminho espiritual emerge em numerosas outras passagens do Novo Testamento.  Certa vez, Jesus vai em um barco com seus discípulos quando surge grande tempestade.  Os discípulos despertam o mestre, assustados. Jesus repreende o vento, controla-o, e chama a atenção dos aprendizes:
“Por que vocês são assim tímidos?  Como é que vocês não têm fé?” (Mc 4:40)
Em outra ocasião,  Jesus explica aos discípulos que será necessário que ele sofra muitas coisas. Ele será rejeitado pelos anciãos e pelos principais sacerdotes e eruditos religiosos, será morto e, depois de três dias, ressuscitará. Ao ouvir isso, Pedro chama-o à parte e começa a discordar, tentando defender a lógica do mundo e da acomodação.  
Marcos, 8, narra a reação do mestre à atitude de Pedro:
“Jesus voltou-se e, fitando os seus discípulos, repreendeu a Pedro e disse: ‘Arreda, Satanás! Porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens.’  Então, convocando a multidão  e juntamente os seus discípulos, disse-lhes: ‘Se alguém quiser vir após mim, a si mesmo se negue,  tome a sua cruz e siga-me.’
O contraste entre erro e acerto é claro. Aqui, vemos novamente a franqueza severa que é necessária entre entre irmãos de caminhada, ou entre mestre e discípulo.  Jesus manda “negar a si mesmo e tomar sua cruz” para poder segui-lo.
“Tomar a sua cruz” significa assumir o seu próprio carma. É aceitar plena responsabilidade por  sua vida. É não rejeitar ou apegar-se a circunstâncias desagradáveis ou agradáveis, mas fazer o que é correto, plantando o bem e a verdade que se deseja colher um dia.
Porém, qualquer um de nós pode muito bem pensar:
“Essas diversas atitudes severas de Jesus são atípicas. O Jesus autêntico é aquele de Mateus, 5: 38-45 –  o Jesus do amor incondicional.”
Realmente, há uma forte contradição entre as atitudes severas e as atitudes suaves de Jesus. Seria isso um  sinal de incoerência do Mestre?  Não. Na verdade, devemos aceitar que a atitude espiritual não é como o samba de uma nota só. Coerência não é sinônimo de imobilidade emocional.  O peregrino maduro tem discernimento para saber quando deve ser firme (nas questões essenciais) e quando deve ser flexível (nas questões secundárias).
Falando sobre a vingança, por exemplo, o mestre afirma:
“Você ouviu o que foi dito: ‘Olho por olho, dente por dente’. Eu, porém, digo: ‘não resista ao perverso, mas, a qualquer um que ferir  você na face direita, ofereça também a outra face; e ao que brigar com você e tirar-lhe sua túnica, deixe-lhe também a capa.” (Mt 5: 38-40)
Esses parágrafos não significam que o bom cristão deve apegar-se, masoquisticamente, a todo e qualquer ato de injustiça cometido contra ele, buscando a  sua repetição e o seu aprofundamento.
Isso não seria amar nem respeitar os seus inimigos. Como sabemos, não é bom  carma para nossos inimigos fazer injustiças contra nós. Portanto,  se quisermos ajudá-los, devemos evitar que eles insistam em atropelar nossos direitos.
O que se planta se  colhe. Todo aquele que faz injustiça contra alguém está chamando desgraças para si.  Se respeitamos e queremos o bem dos nossos adversários, devemos, na medida do possível, tomar medidas para evitar que eles cometam injustiças ou agressões gratuitas contra nós ou contra quaisquer seres.
Na verdade, o significado dos versículos acima é que o aprendiz deve abster-se de toda vingança ou retaliação pessoal contra aqueles que o agridem.  Coincidindo com esse trecho do Novo Testamento,  a filosofia esotérica oriental deixa claro que a busca de vingança é proibida a todo aquele que pretender trilhar o caminho espiritual.  Mas o estabelecimento de relações justas e baseadas no respeito mútuo  é igualmente essencial para uma boa caminhada.  
Examinemos agora outro trecho do ensinamento de Jesus que tem sido usado à exaustão para justificar, erradamente, a repressão neurótica da diversidade e a aceitação ilegítima da injustiça. 
Jesus afirma no evangelho de João:
“Dou um novo mandamento a vocês: que vocês se amem uns aos outros. Assim como amei a vocês, que também amem uns aos outros. Nisto conhecerão todos que são meus discípulos: se tiverem amor uns aos outros.” (Jo 13:34-35)
Essa afirmação é absolutamente central. Ela corresponde também a um axioma multi-milenar  das escolas esotéricas dos Himalaias: o apoio mútuo entre co-discípulos  é muito mais do que um desejo meramente emocional. Constitui uma condição indispensável para o verdadeiro aprendizado sobre a essência da vida. Sem isso, não há eficiência no ensino, nem no aprendizado. Devemos lembrar, no entanto, que pouco antes Jesus alertara para o fato de que havia um traidor, havia um Judas, entre os  seus  discípulos mais próximos (Jo 13:21-27).
Mas, o que é um Judas? 
Um  Judas é apenas uma variedade mais perigosa daqueles sepulcros caiados que vimos acima, e que são puros e leais por fora, mas podres mal-cheirosos por dentro (Mt 23).
Assim,  rigor e afetividade andam juntos e são inseparáveis, quando se trata de caminho espiritual. Nisso, o Novo Testamento é perfeitamente coerente com a tradição esotérica oriental.
O caminho do meio que dá harmonia e produz equilíbrio entre os dois extremos de  total rigor e total flexibilidade não é a combinação infeliz de de um “meio rigor”  com uma  “meia flexibilidade”. O  caminho do meio consiste em ter  total rigor, nas questões centrais e essenciais, e total flexibilidade, nas questões secundárias. Naturalmente, é necessário ter discernimento para saber diferenciar o secundário e o essencial, e  resistência para atravessar as inevitáveis tempestades. O caminho espiritual só pode ser trilhado  se houver  uma boa dose de persistência, e também de indiferença à dor pessoal.
O rigor e a boa vontade são, pois, como dois pés para nossa caminhada.  Não há motivo para pular em um pé só. O caminho do meio se abre diante de nós quando aprendemos a combinar conscientemente o uso dos dois hemisférios cerebrais, o analítico e o sintético. 
O peregrino experiente faz como as árvores, que crescem com flexibilidade nas folhas (o secundário) e com firmeza no tronco (o essencial).  Quando afirmamos a afetividade (conforme Jo 13: 34-35), devemos examinar a nós mesmos e examinar nossos relacionamentos,  para ver se eles estão livres da hipocrisia, da astúcia e das segundas intenções (conforme Mt: 23). Ao mesmo tempo, quando combatemos a falsidade, devemos examinar nossos sentimentos para ver se está preservada neles a boa vontade.  

A franqueza não deve destruir o afeto, nem o afeto abandonar a verdade.
Porque amor é a verdade, quando ela se expressa no plano emocional; assim como verdade é o amor, quando ele se expressa no plano mental.
Mente e emoção são inseparáveis.  Verdade e amor são uma coisa só.